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O último exorcismo


    Exorcizamus te, omnis immundus spiritus…

    Chovia forte, uma tempestade que já durava mais de seis dias.
    Dentro de sua casa, o Sr. Augusto Bertram aguardava o esperado William Andes, atrasado a mais de uma hora e meia.

- Com essa chuva é normal o atraso, meu amo. Comentou Julius, o mordomo do grande casarão.

- Não posso esperar muito Julius, muito menos Maria, ela corre risco de vida! Falou o patrão se levantando da poltrona onde antes estava sentado.

- Fique calmo, há seis ótimas ajudantes lá em cima, tudo vai dar certo.

- Eu tenho medo que algo lhe aconteça, já fazem dois dias que não me deixam a vê-la, por que isso? Por que? Se perguntava Augusto enquanto levava as mãos a cabeça.

- Se sua irmã disse para você ficar fora disso, é melhor ficar, aguarde, logo Maria estará bem.

    Um trovão ecoou no céu. No segundo andar da casa dos Bertram, Maria da Conceição gritou de dor.
- Aaaaaaaaaah, me matem! Eu não aguento mais! Me matem! Foi o que berrou a mulher assustando todos que estavam na casa.

    No andar debaixo, Augusto chorou, nunca imaginou que iria passar por uma situação daquelas. O infeliz homem achou que tudo correria normalmente, mas a mulher reagiu de uma maneira estranha, foi preciso deixá-la de cama e com o passar dos dias, as coisas foram só piorando.

    Quase duas horas depois, patrão e mordomo ouviram as fortes batidas na porta. Julius correu atender, quando voltou disse à Augusto:

- O senhor William chegou.

    Augusto ficou de pé e encarou dois homens. Um deles ele conhecia muito bem, era Fernando Matos, mais conhecido como Dr. Matos, o médico da cidade. E o outro, um velho baixinho, que usava uma enorme capa de chuva, só podia ser William.

- Perdoe a minha vinda inesperada, Sr. Augusto, mas o Reverendo William passou em minha casa, disse que minha presença aqui seria necessária. Se explicou Matos.

    Antes que Augusto pudesse dizer algo, William abriu a boca.
- Tudo ficará bem… Matos veio apenas para ajudar. Sou o Reverendo William Andes, é um prazer. Se apresentou o velho com sua voz rouca e grave.

- O prazer é meu senhor, contratei os seus serviços, pois descobri que você é o melhor, já disse, pago o quanto for preciso, mas quero que tudo volte ao normal! Afirmou Augusto, que era um poderoso fazendeiro da cidade de Sta. Ana das Flores.

- Onde está a moça? Perguntou o padre.

- É no andar de cima, segundo quarto, eu levarei o senhor até. Augusto foi interrompido.

- Não precisa, fique aqui filho, descanse, se eu precisar de algo, Matos lhe avisa.

    Nos céus, relâmpagos e raios faziam a festa. Um vento forte atingia o antigo casarão. Os funcionários que estavam espalhados pela casa, seguiam cheios de medo, mas não mais que as ajudantes que se encontravam dentro do quarto de Maria.

    Padre William subiu as escadas lentamente, junto de seu mais novo comparsa, o médico Matos.
Enquanto subia, o doutor perguntou ao homem de Deus.

- Padre… isso vai ser perigoso?

- Sempre é meu filho, o mal é traiçoeiro, mas tenha fé e tudo ficara bem. Disse o reverendo e depois beijou seu antigo crucifixo de prata que carregava no pescoço.

    Os dois homens caminharam até a porta do quarto. William bateu e Rita atendeu, ela era a irmã de Augusto.

- Oh, padre… pode entrar… Ela está dormindo.

    Quando os dois entraram, surpreenderam-se com o clima sombrio que imperava ali. O quarto estava com pouca iluminação. Na cama, uma bela mulher com o rosto todo retalhado dormia. Era Maria, a moça estava com os braços e pernas amarrados por lençóis, o colchão já não era mais branco, as cores pareciam uma mistura de vermelho e verde. Pelo cheiro do recinto, indicavam sangue e vômito.

    Para completar a macabra cena, haviam quatro mulheres ajoelhadas em volta da cama. Elas rezavam baixo e enquanto faziam isso tremiam, pois mesmo tendo fé, estavam com medo.

- Como fizeram ela dormir? Perguntou o padre.

- Nós conseguimos lhe dar um chá muito forte, e também estamos rezando para que ela descanse um pouco a mais de quatro horas. Temos medo do que ela pode fazer acordada, temos medo que ela machuque o bebê. Explicou Rita, uma mulher corajosa e que acima de tudo amava Maria como se fosse sua irmã.

- Vocês todas podem se retirar agora, vão descansar, devem estar exaustas. Falou William.

    As mulheres que estavam no chão se levantaram, juntaram-se as outras e começaram a deixar o quarto. A última antes de sair olhou para Matos e disse:

- Tome cuidado Doutor.

    Era Amélia, uma moça linda de vinte e três anos. Ela e Matos já haviam saído algumas vezes. Os dois se divertiram muito juntos, mas devido aos empregos que tomavam muito tempo, não passaram disso.
Matos acenou com a cabeça e depois fechou a porta do quarto de Maria.

William abriu sua mala, colocou suas vestes sagradas, deixou em cima da mesa uma bíblia e uma pequena garrafa com aguá benta.

- Matos, fique sempre atrás de mim, se eu precisar de você lhe aviso.

- Tudo bem senhor.

- E que Deus esteja conosco! Falou William.

    O quarto ficou em silêncio, o padre pegou a garrafa de aguá benta e atirou um pouco em direção a cama. Com pequenas gotas da aguá sagrada, fez no ar um sinal da cruz. Isso foi o bastante para que Maria acordasse, ou melhor, para que o demônio que dominava seu corpo acordasse.

- Maldito! Por fez isso? Seu porco filho de uma puta! Berrou o monstro que possuía a inocente mulher.

- Suas palavras não me atingem, Deus está ao meu lado. Disse o padre e atirou aguá benta mais uma vez.

    O demônio gemeu de dor novamente. Carregado de raiva começou a se debater na cama. O quarto inteiro pareceu balançar. Matos foi ao chão.

- Derrubei um palhaço! Berrou o demônio enquanto ria da cara do médico.

    William pegou a bíblia e procurou pelo ritual de exorcismo, o caso era urgente, havia mais de uma vida em risco, havia um bebê em toda a estória.

    Quando o padre começou o ritual, o demônio ficou ainda mais raivoso. Com uma força surpreendente, fez a cama da mulher começar a pular. As velas que iluminavam o quarto se apagaram e a escuridão reinou no recinto.

    Matos morria de medo e rezava baixinho, pedindo proteção à Deus.

- Pivete! Não adianta rezar, Deus não vai lhe ajudar, é tarde demais! É o fim, em breve todos serão devorados! Bradava o monstro com força.

    A entidade fez novamente as velas se acenderem, quando o quarto foi iluminado novamente, William e Matos viram a mulher arrebentando os lençóis que lhe prendiam.

    O padre passou a proferir as palavras do ritual com toda sua força.

    Na cama o monstro se contorcia, arrancava seus próprios cabelos e girava seus braços como se a mulher não tivesse nenhuma articulação. Seu corpo agora parecia o de uma boneca de pano.

    O monstro tampou os ouvidos quando o ritual se aproximava do fim.

- Matos, você precisa segura-lo… ele tem que escutar!

    O médico tomou coragem e caminhou em direção ao demônio. A mulher já estava totalmente acabada, sua pela tinha um tom verde, carregado de feridas e cortes. A barriga que já tinha mais de seis meses, agora era inchada e flácida.

    O doutor não tinha ideia de qual era a situação da criança.

    Matos tentou segurar o demônio, mas o mesmo lhe mordeu e o jogou no chão novamente. O rapaz não desistiu, pulou em cima do monstro outra vez e fez uso de todas as suas forças.

- Você vai ser um dos primeiros Matos! Um dos primeiros a ser devorados! hahaha

    O coração de Matos disparava, suas forças estavam acabando.
Então o demônio lhe grudou, segurou seu corpo com força e o partiu ao meio, jogando um pedaço para cada lado do quarto.

- Olha o resultado seu padre filho da puta, tive que usar um poder desnecessário! Bravejou o monstro.

    William que já havia feito tantos exorcismos não acreditou no que seus olhos haviam acabado de contemplar. Uma entidade nunca havia usado tanta força como aquela a sua frente.

    O monstro ficou de pé na cama e partiu para cima do desprotegido padre, William era um homem de Deus, mas tinha medo, mesmo assim ele tinha medo.

    Augusto ouviu toda a confusão, ele e seus empregados estavam todos reunidos na grande sala.

- Rita, é melhor nós subirmos, vamos junto conosco Julius! Falou o dono da casa.

    Subiram e quando abriram a porta do quarto, encararam uma cena que fez Rita desmaiar e Julius quase ficar louco.

    O corpo de Maria pendia no chão, estourado. Sua barriga estava destruída. Havia tripas e órgãos para todos os lados. Padre William agonizava caído próximo da porta, com um grande ferimento no pescoço.

- É tarde demais… Ele nasceu… o Anti. As palavras se perderam, a vida foi embora do corpo do velho Reverendo William Andes.

    Um grito alto foi emitido dentro do quarto, era um grito de prazer e vitória.

    Augusto e seu mordomo olharam na direção do som e lá estava ele.

    Um pequeno diabrete, um monstrinho que parecia um pequeno homem com chifres e rabo. Pelos revestiam todo seu corpo e em vez de pés, a criatura tinha patas.

    O demônio terminava de comer uma das partes do corpo de matos.

- Eu disse que ele seria um dos primeiros. Falou o Anticristo enquanto mastigava parte do abdômen do jovem médico.

    Augusto berrou de pavor e antes que ele e Julius conseguissem abandonar o quarto a porta se fechou.

    O pequeno monstro lhes encarou e disse:

- Eu tenho tanta fome!

    Os corpos que já estavam caídos nos chão e os restantes das pessoas da grande mansão bastariam para Adrian durante aquela noite.

    Adrian, era esse o nome que Maria e Augusto haviam combinado para o filho, que a muitos anos era o grande sonho do casal.

    Naquela noite, a recém-nascida criatura começaria seu processo de desenvolvimento. Precisava se alimentar bem, pois logo teria uma importante tarefa… Dominar o mundo.

    O demônio-homem havia nascido, aquele era o começo, do fim dos tempos.

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